terça-feira, 27 de agosto de 2013

País maltrata sua força de trabalho

por Victor Martins

O Brasil do desperdício mostrado pelo Correio nos últimos dias não se resume a perdas vultuosas de dinheiro, como os prejuízos de R$ 1 trilhão por ano com os gargalos de logística e falhas de planejamento. O país, que aspira a uma cadeira entre as nações ricas, joga fora também oportunidades. O bônus demográfico - momento da história em que a maior parte da população está em idade de trabalhar - tem sido negligenciado pelas nossas próprias ineficiências. Os especialistas são unânimes: a omissão com o ensino e a falta de capacitação profissional podem tirar do Brasil uma chance única para dar um salto de desenvolvimento.

A pirâmide demográfica deve favorecer o país até 2030, segundo os especialistas. A partir dali, a força de trabalho começará a envelhecer e, em 2040, teremos idosos demais para tomar conta. Se não aproveitarmos a janela de oportunidade para resolver os problemas na previdência e para formar uma poupança robusta para os desafios futuros, o passivo social poderá se tornar insustentável. "Parte do bônus foi desperdiçado. Temos, na melhor das hipóteses, até 2040 para tentar tirar proveito dele", avaliou José Luís Oreiro, professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Nem-nem
A maioria das nações ricas chegou a essa etapa da história tendo feito as reformas necessárias para colher os frutos do bônus demográfico. No Brasil, assiste-se ao desperdício da força de trabalho. "A palavra-chave é produtividade. Se queremos mudar o perfil deste país, o trabalhador tem de ter um nível de produtividade mais elevado", disse José Matias-Pereira, da Universidade de Brasília (UnB).

Para Simão Silber, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), o país reserva as piores vagas do mercado de trabalho para os jovens, exatamente os que deveriam construir um Brasil melhor. "Grande parte dos brasileiros sai da escola como analfabeta funcional. Uma pessoa pouco treinada tem dificuldade de ter emprego produtivo, vai varrer rua", afirmou.

A falta de estímulo à educação e o baixo nível de escolaridade fizeram nascer uma geração do desalento. O professor do Insper Naércio Menezes Filho classifica esses jovens de "nem-nem": nem trabalham nem estudam. Esse público representa, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 16% dos brasileiros entre 17 e 22 anos. Cerca de 27% deles nem completaram o ensino fundamental. "A maior parte desiludiu-se com a escola pública e decidiu ingressar no mercado de trabalho, atraída pelo crescimento salarial dos menos qualificados", observou. "Porém, a duração no emprego também é curta para eles", disse o professor, em artigo.

Protestos
Aos 17 anos e com os estudos interrompidos na 8ª série do ensino fundamental, Eduardo Néri é um "nem-nem". "Tinha só um sonho, mas já passou. Queria ser jogador de futebol", contou o jovem, pouco interessado em falar sobre carreira profissional ou faculdade. O morador da Estrutural intercala empregos temporários com retornos esporádicos à escola. Foi reprovado e abandonou a sala de aula diversas vezes. Nunca teve carteira assinada.

Jaqueline Rodrigues Martins, 25 anos, terminou o ensino médio, mas só consegue pagar as contas fazendo bicos. "Tenho curso de vigilante e de telemarketing, mas é muito difícil achar uma vaga fixa", relatou. Para garantir a renda, Jaqueline distribui panfletos na Rodoviária de Brasília. Ela chega a ganhar R$ 35 por dia. Descontados o almoço e o transporte até Padre Bernardo, no interior de Goiás, onde mora, sobram R$ 18. "Meu sonho é fazer educação física. Um dia, eu realizo", disse ela.

Na avaliação dos especialistas, o Estado não faz a parte dele para reverter a situação: mantém escolas ruins, um sistema excludente de mobilidade urbana e pesa demais sobre o setor privado. "Os protestos de junho mostraram um descompasso entre a aspiração da sociedade e a representação política. O governo vendeu um país que não existia. As pessoas foram para a rua cobrar a fatura", resumiu Silber.

Fonte: Correio Braziliense

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