terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

De cada 10 jovens, 6 terão velhice difícil

Trabalhadores não se dão conta do risco de o benefício da Previdência ser menor do que imaginam, o que torna indispensável poupar
"Achei que teria uma aposentadoria maior. O que ganho é muito pouco para sobreviver"
Alpino Ribeiro dos Santos, aposentado

Aos 65 anos e recém-aposentado, Alpino Ribeiro dos Santos não esconde a frustração ao falar do salário mínimo que, todos os meses, entra na sua conta bancária. Ele atuou, paralelamente, como contador e produtor rural por mais de 30 anos e alternou fases com carteira assinada e como trabalhador informal. No total, contribuiu 22 anos e oito meses à Previdência Social. Em alguns momentos, chegou a pagar a cota máxima sobre 10 salários mínimos. Já na terceira idade, na hora de fazer as contas, surpreendeu-se: o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) deu a ele o direito de receber o piso do benefício, hoje de R$ 724.

"Com esse período todo de contribuição, achei que teria uma aposentadoria maior. O que ganho é muito pouco para sobreviver", lamenta Alpino. Ele não tem esposa nem filhos. Vive sozinho numa área de chácaras no Núcleo Bandeirante, emprestada pelo governo aos produtores rurais. Lá, planta de tudo, principalmente verduras. Antes, comercializava a safra inteira. Agora, muita coisa se perde, pois não dá conta de pagar um ajudante para a colheita. "Um trabalhador rural cobra entre R$ 80 e R$ 100 por dia. Não consigo pagar. Uma roçadeira custa R$ 2,5 mil (ao mês). Além disso, a minha saúde não me permite mais acompanhar de perto a atividade", conta ele, que sofre de labirintite.

Tendência a piorar

O relato de Alpino é o retrato do que ocorre em boa parte do país. Quase a metade dos idosos recebe hoje entre US$ 4 (R$ 9,60) e US$ 10 (R$ 24) por dia de benefício, o equivalente a um salário mínimo ou menos. Mas a situação pode piorar. Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostra que 60% dos jovens que estão ingressando agora no mercado de trabalho chegarão à aposentadoria, em 2050, sem ter gerado economia para levar uma velhice com qualidade. Além de não contribuírem o suficiente à Previdência, não têm consciência do quanto é importante poupar agora para garantir qualidade de vida na fase em que os gastos com saúde tendem a aumentar.

O quadro é agravado pelo fato de que, daqui a 36 anos, o número de pessoas com idade superior a 65 anos deve aumentar em quatro vezes em relação ao que existe hoje. Os octogenários serão seis vezes mais numerosos. Não à toa a ampliação do total de idosos e a queda na taxa de natalidade colocam em xeque a capacidade do sistema de Previdência de sustentar o atual modelo e deixam os políticos em maus lençóis. Quando o Brasil mais velho se tornar realidade, os idosos representarão até 30% do eleitorado.

Equívocos

Para ter condições de sustentar esse grande contingente de futuros idosos, o governo reconhece que uma nova reforma é necessária, mas está distante de ocorrer. "O Congresso e a sociedade, sobretudo as centrais sindicais, estão com todas as atenções voltadas ao fator previdenciário, quando deveriam estar debatendo o futuro do sistema de aposentadorias e pensões. Não existe uma discussão mais ampla no Legislativo, como se não houvesse um sério problema a ser resolvido", diz o ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves Filho.

No entender do ministro, os maiores prejudicados serão os jovens de hoje, que correm o risco de não terem uma Previdência capaz de ao menos garantir dignidade. "Grande parte dos problemas futuros poderiam ser evitados agora se tivéssemos um sistema com idade mínima para aposentadoria. O envelhecimento da população é mais grave no Brasil porque as pessoas não têm consciência da importância de poupar e desconhecem a necessidade de se ter uma programa de aposentadoria saudável", completa.
Guaraci Leão, 79, sabe muito bem o que é um sistema ruim, que quase nada lhe provém. "Os jovens não sabem, mas é preciso ser muito controlado com o dinheiro para viver bem quando ficarem velhos", destaca o mineiro, hoje brasiliense, como gosta de se declarar. Ele recebe R$ 3,3 mil por mês do INSS, sustenta a mulher, duas filhas e cinco netos que moram com ele em uma casa no Guará. Quando jovem, trabalhava na área de transporte urbano do Distrito Federal. Contribuiu com a Previdência durante toda a vida e acredita que deveria ter um benefício maior.

"Ao pagar R$ 400 de água, mais R$ 800 de luz e outros R$ 400 de telefone, vai-se boa parte da aposentadoria. Às vezes, fico pensando como dou conta de tudo", ressalta Guaraci. "Felizmente, minha mulher me ajudou a economizar durante toda a vida. É a poupança que me serve de apoio", completa. "Mesmo assim, não é fácil. Na hora do aperto, corro em busca de ajuda do Estado." Saúde e remédio vêm do setor público. "Se for pagar um plano de saúde, não terei o que comer", admite. Para reduzir o sufoco e garantir o maior benefício possível, ele adiou o quanto pôde a aposentadoria. "Já tinha quase 70 quando pendurei as chuteiras. Fui obrigado", afirma.


Conta de chegada
O fator previdenciário, criado em 1999, é uma fórmula que reduz o valor a ser recebido pelo aposentado caso requisite o benefício ainda muito novo. A conta considera a quantidade de anos que faltam para que a pessoa atinja a expectativa de vida corrente, estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A fórmula também leva em conta quanto tempo de contribuição o cidadão tem. Logo, da mesma forma que o fator pode diminuir o valor recebido para quem aposenta cedo, permite também aumentar a aposentadoria de quem solicita o benefício depois.

 Fonte: Correio Braziliense

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